quarta-feira, 8 de novembro de 2017

"Meu pai disse que essa mulher foi quem nos tirou da cegueira das letras. Depois de gerações e gerações de cegos, ela nos deu à luz, porque é um parto, né? Então eu me criei levando flores para a Luzia. Hoje meu pai tem 82 anos e a gente faz isso todo ano. Então, a primeira mulher mais importante na minha vida, a mais inspiradora é ela, que eu nunca conheci, que é chamada Luzia e que nos deu as letras."

Publicámos no Facebook, no mural do Projeto Memória :
A história de Luzia de Figueiredo Neves by Eliane Brum
"Essa mulher tem uma história que é uma história literária, parece uma história de romance, mas não é. Ela é a filha de um grande estancieiro do Rio Grande do Sul com uma escrava. Esse estancieiro, que foi um cara criado para ser general, para ser advogado, que era o que acontecia naquela época, se chamava Sabino de Andrade Neves. A família Andrade Neves é uma das mais ilustres do Rio Grande do Sul, eles são nome de rua etc.. O Sabino se apaixonou por essa escrava e a engravidou. Até aí era comum, só que o que não era comum foi o que esse homem fez, porque ele se apaixonou e foi deserdado porque ficou com ela. E imagina o que era naquele tempo ficar com uma escrava! Quando ela morreu, ele criou a filha, Luzia. Ele criou a Luzia virando professor nos povoados rurais do Rio Grande do Sul, a filha cresceu e virou professora também. Então era o pai e a filha professores em escolinhas rurais do fim de mundo, lá no Rio Grande do Sul, no início do século 20. Essa mulher foi a primeira professora do meu pai e meu pai é o primeiro alfabetizado na família, depois de gerações e gerações de analfabetos. Por causa dessa história, por causa dessa mulher. Eu nunca a conheci, ela morreu antes de eu nascer e meu pai nos ensinou a todo ano levar flores ao túmulo da Luzia. Meu pai disse que essa mulher foi quem nos tirou da cegueira das letras. Depois de gerações e gerações de cegos, ela nos deu à luz, porque é um parto, né? Então eu me criei levando flores para a Luzia. Hoje meu pai tem 82 anos e a gente faz isso todo ano. Então, a primeira mulher mais importante na minha vida, a mais inspiradora é ela, que eu nunca conheci, que é chamada Luzia e que nos deu as letras."
Abraços saudáveis


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