segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

"Dificilmente obteremos uma explicação melhor sobre de onde vem a nossa comida" (The New York Times)


O nosso programa de nutrição saudável, sempre teve como uma das premissas para garantir a sua sustentabilidade por uma boa parte dos nossos leitores, não sugerir qualquer restrição do produto A ou B. Acreditamos que o importante e o que dá efetivamente resultado, é uma nutrição que nos dê prazer, balanceada (garanta diariamente, que as nossas células possam assimilar os nutrientes essenciais nas quantidades adequadas) e distribuída ao longo das três refeições principais e sempre que possível, de dois lanches entre elas (para além de procurarmos tomar no mínimo, cerca de 2 litros de água por dia, ou dito de outra forma cerca de 4% do peso do nosso corpo).

Mas, á medida que vou tomando conhecimento da realidade do que, efetivamente comemos, não posso, por razões éticas, profissionais e até de sobrevivência (principalmente da geração da minha filha Carolina), deixar de ter a flexibilidade e diria até a coragem, de contribuir para tornar públicas, práticas dos nossos dias, de algumas empresas responsáveis por aquilo que colocamos no prato inconscientemente (ou com algum grau de consciência mas baseado numa “desinformação propositada” por parte daquelas).

Como sou otimista por principio, esta semana vou-vos apresentar o lado mau do “filme” (ou melhor dizendo de um dos muitos capítulos de um livro com 439 páginas) e prometo que na próxima semana, vos trarei algum conforto sobre como é possível fazer diferente e de forma a que todos possam ganhar (Homem, animais e meio ambiente). Este artigo é um pouco mais longo, mas vão ver que vale a penas os minutos que vão dedicar á sua leitura!

A minha fonte desta vez, é o livro “O dilema do onívoro” de Michael Pollan (escritor e professor de jornalismo da Universidade da Califórnia, colaborador do New York Times e autor de outros livros) que durante 5 anos, estudou, vivenciou e escreveu sobre as praticas de criação de gado nos Estados Unido. Vejam abaixo alguns comentários dele:

Os animais criados para o corte viram seu estilo de vida passar por uma revolução nos anos que se seguiram à Segunda Guerra. (...) deixando fazendas amplamente dispersas (...) para viver em novas cidades animais densamente povoadas. Esses lugares são tão diferentes de fazendas ou ranchos que um novo termo foi cunhado para batizá-los: CAFO, sigla para Confined Animal Feeding Operation (Manejo Alimentar de Animais em Confinamento).(...) Apesar do pouco tempo decorrido desde a sua criação, as CAFOS já deram uma razoável contribuição para aumentar o número de problemas ambientais e de saúde: água e ar poluídos, resíduos tóxicos, novos e mortais agentes patogênicos. (...)

Uma das situações mais impressionantes que o esquema de confinamentos causa é (parafraseando Wendell Berry) pegar essa solução elegante (fazendas mistas , à moda antiga!) e dividi-la claramente em dois novos problemas: um problema de fertilidade na fazenda (que precisa ser corrigido com fertilizantes químicos) e um problema de poluição, no próprio confinamento (que raramente pode ser remediado).

No local onde o gado é alimentado, esse absurdo biológico, característico de todas as CAFOS, é combinado com um segundo absurdo. Aqui, animais que a muito custo foram adaptados pelo processo de seleção natural para viver do capim precisam agora ser adaptados por nós – a um custo considerável para a saúde deles, para a saúde da terra e, em última análise, para a saúde dos consumidores – para viver do milho, pela única razão de que ele oferece as calorias mais baratas à disposição (...).

Na época do meu avô, as vacas eram abatidas com quatro ou cinco anos. Nos anos 1950, (...) elas eram mortas com dois ou três anos. Agora chegamos lá com 14 ou 16 meses. Fast-food de verdade. O que faz com que um novilho passe de 36 quilos para 500 quilos em 14 meses são enormes quantidade de quantidades de (...) e um arsenal inteiro de novos medicamentos.
(...) os animais (...) são confinados num cercado e “adestrados” (...) habituando-se assim gradualmente a comer o que para eles é uma dieta nova e antinatural.
(...) um confinamento , contudo, parece muito com uma cidade pré-moderna, fervilhante e imunda, com esgotos a céu aberto, ruas de terra e um ar viciado, tornado visível pela poeira.(...)

O único motivo pelo qual as cidades animais contemporâneas não são tão castigadas pelas pestes como suas contrapartidas humanas medievais resume-se a uma anomalia histórica: o antibiótico moderno.(...)

Num depósito colado à fábrica, encontram-se tonéis contendo vitaminas líquidas e estrogênio sintético ao lado de recipientes repletos com 50 libras de antibióticos – rumensina e tilosina.
(...) todos esses ingredientes serão automaticamente misturados e então bombardeados para a fila de caminhões tanque que três vezes ao dia saem dali para manter os 14 quilômetros de gamelas onde se alimentam os animais (...).
(...)está comprovado que esta carne é menos saudável para nós, já que contém mais gordura saturada e menos ácidos graxo ômega-3 que a dos animais alimentados com capim. É cada vez maior o número de pesquisas sugerindo que muitos de nossos problemas de saúde associados ao ato de comer carne decorreriam na verdade do fato de os animais serem alimentados com milho. (Os povos que nos dias de hoje ainda vivem de coleta e caça não apresentam os índices de doenças cardíacas semelhantes aos nossos.) Da mesma forma que os ruminantes não parecem estar plenamente adaptados à alimentação com base no milho, os seres humanos , por sua vez, podem estar mal adaptados para se alimentarem dos ruminantes que comem milho.(...)
(...) fiquei algumas horas com o Dr. Mel Metzin, o veterinário da equipe, aprendendo mais do que qualquer comedor de carne deveria ficar sabendo a respeito da vida gastrintestinal da vaca moderna. O Dr. Mel (...), supervisiona uma equipe de oito veterinários que passam seus dias cavalgando pelas ruas poeirentas do complexo em busca de animais doentes para serem trazidos para um dos três “hospitais” para tratamento.(...) “Eles são criados para comer forragem”, explicou o dr. Metzin, e “nós estamos fazendo que comam grãos.”
“Não significa que não possam se adaptar”, prossegue, “e agora estamos apurando a espécie de modo a suportar melhor o confinamento.” (...) gado de corte dos dias de hoje está sendo selecionado por sua capacidade de comer grandes quantidades de milho e de convertê-lo em proteína sem ficar doente demais.(...) de acordo com vários cientistas (...) – encontram-se simplesmente doentes.

O inchaço é, ao que tudo indica, o problema mais sério que pode acontecer a um ruminante que se alimenta de milho. A fermentação no rúmen (segundo “estomago” da vaga preparado para digerir o capim) produz enormes quantidades de gás, que normalmente costuma ser expelido por meio de arrotos durante a ruminação. Mas quando a dieta amido de mais e fibras de menos, a ruminação corre o risco de parar, e a camada espumante que se forma no rúmen pode reter o gás. O rúmen se infla como um balão até pressionar os pulmões do animal. A não ser que alguma atitude seja prontamente tomada para aliviar a pressão (em geral um tubo é enfiado pelo esôfago do animal) ele acaba sufocando.

Uma dieta concentrada de milho também pode acabar provocando uma acidose na vaca. Ao contrário do que ocorre em nossos estômagos altamente ácidos, o ph normal de um rúmen é neutro. O milho o torna acídico, provocando uma espécie de azia bovina que em alguns casos pode matar o animal, mas que normalmente o deixa apenas doente. Animais acidóticos rejeitam sua comida, arquejam e salivam excessivamente, coçam e tentam tocar a barriga com os cascos e comem imundícies. Esse estado pode vir a causar diarréia, úlcera, inchaço, inflamação do rúmen, problemas no fígado e um enfraquecimento geral do sistema imunológico, que deixa o animal vulnerável a toda uma série de doenças típicas do ambiente de confinamento – pneumonia, coccidiose, enterotoxemia, pólio. (...)

O gado raramente vive das dietas dos confinamentos por mais de 150 dias, que bem pode ser o período máximo capaz de ser tolerado pelo seu sistema. “Não sei por quanto tempo é possível alimentar os animais com essa ração sem que surjam problemas”, disse o Dr. Metzin. Outro veterinário me disse que a dieta acabaria por “fazer explodir seus fígados”, matando-os. Com o passar do tempo, os ácidos terminam por corroer as paredes do rúmen, permitindo que bactérias entrem na corrente sanguínea do animal. Esses micróbios vão acabar no fígado, onde formam abscessos e comprometem o funcionamento do órgão. No matadouro, tem sido constatado que entre 15 e 30% das vacas dos confinamentos apresentam abscessos do fígado. O Dr. Mel me disse que em alguns cercados esse índice chega a 70%.

O que mantém saudável – ou saudável suficiente – um animal de confinamento são os antibióticos. (...) A maior parte dos antibióticos vendida hoje nos Estados Unidos acaba indo parar nos animais, uma prática que – fato amplamente admitido (exceto na agricultura) – está levando direto à evolução de novos micróbios super-resistentes a antibióticos.(...)
Perguntei ai Dr. Mel o que aconteceria se remédios como rumensina e tilosina fossem banidos da alimentação do gado, como defendem alguns especialistas em saúde pública. “Teríamos um alto índice de mortalidade (o atual gira em torno de 3% , (...)) e um gado de pior qualidade.

Simplesmente não poderíamos alimentá-lo de maneira tão intensa” O sistema inteiro teria de mudar – e desacelerar.
“Diabos, se desse a ele um monte de capim e de espaço, eu perderia o meu emprego”.
(...)

Sei que o texto foi longo (e como podem deduzir pelas reticências, me esforcei para cortar o não essencial para a compreensão da mensagem) , mas “Dificilmente obteremos uma explicação melhor sobre de onde vem a nossa comida” (The New York Times)

Entendem melhor agora, que os tempos são outros (não tem qualquer significado alguém dizer que o meu avô sempre fez isso e viveu com saúde até aos 80 anos!) e porque precisamos de ter uma dieta balanceada, que fortaleça o nosso sistema imunológico? Não é pieguice nem uma moda passageira, é uma necessidade que uns vão ter a sorte de vislumbrar primeiro e conseqüentemente viver com mais Qualidade de Vida.

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